sábado, 7 de maio de 2011

Vai aí um texto porreta, feito por Wagner Teixeira.
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TOBIAS

A luz do sol ilumina um caminho radiante que serpenteia pelos trechos de vegetação mais densa da floresta. Por essa trilha que forma um leque luminoso entre as folhagens caminha Tobias, que assobia canções quase esquecidas de sua infância. As coloridas flores que enfeitam o solo dançam em harmonia com a brisa. Cores diversas se juntam ao azul do céu, denunciando um grande arco-íris que começa a se formar. Que belo dia, exclama Tobias em alto e bom tom. Debaixo de três grandes carvalhos e cercada por uma sebe de aveleiras, uma casa. Uma singela casa de campo com a porta entreaberta. Tobias atravessa a cerca, cruza o belo jardim muito bem cuidado de lindas rosas e girassóis e pára na entrada.
Bom dia! Dona Maria, a senhora está aí?
Sem resposta. Atravessa timidamente a porta e grita de novo:
Dona Maria! Sou eu, Tobias!
Desta vez uma voz grave e rouca responde vinda de algum cômodo no interior da casa:
Pode entrar, Tobias. Estou no quarto.
Atravessa então a porta, atingindo a sala principal. Um ramo de orquídeas coloridas jaz esquecido no chão. Um gato branco dorme silencioso sobre uma almofada de veludo. Um periquito que a tudo observa de sua gaiola produz apenas silêncio. O grande relógio de pêndulo marca quatorze horas e dez minutos. A quietude é total, se a paz decidiu fixar residência em um lugar, foi ali naquela casa. Caminhando com leveza, sem querer interromper aquela mansidão, Tobias abre as cortinas que separam a sala do quarto. Lá está Dona Maria deitada na cama, quase totalmente encoberta. Apenas a touca que cobre sua cabeça e os óculos que cobrem seus olhos negros são visíveis.
O que houve, Dona Maria? A senhora está doente?
Uma voz débil e rouca responde com dificuldade, pausadamente:
Sim, meu filho, estou muito doente. Minha garganta dói, mas consigo falar.
É, reparei que sua voz está bem estranha.
Na última vez em que Tobias viu a Dona Maria, há vários anos atrás, ela já era bem velha. Imagina que agora ela deva estar nas últimas. Realmente sua aparência é bem estranha. Ao lado da cama, a janela está fechada. Sobre o criado-mudo, uma cesta contendo uma garrafa de vinho e um atraente bolo todo em camadas enfeitado com miosótis, ainda intocado.
Parece que não voltei numa hora muito boa, né? A senhora se lembra de mim? Já faz um bom tempo!
Hã... sim, claro que lembro. Como tem passado?
Bom, a gente vai levando, né? Eu...
Subitamente, tem a impressão de ter ouvido algum som vindo da cama, como uma outra voz.
A senhora disse alguma coisa?
Não, não disse nada. Você é que ia dizendo...
Bom, é que eu voltei pra...
O som de novo, desta vez um pouco mais claro, mas muito abafado, como alguém com uma mordaça tentando falar. Parece uma voz de criança vinda de baixo da cama.
Você ouviu isso?
Isso o quê?
Ouvi alguma coisa vindo de baixo da cama.
Tobias agacha-se e olha sob o móvel. Vê apenas os chinelos gastos da velha, e nada mais.
Eu sou a doente aqui, mas parece que é você que está delirando, rê, rê.
Estariam meus ouvidos debochando de mim?, pensa Tobias enquanto alisa a espessa barba. Seus sentidos sempre foram tão aguçados e eficazes.
Que estranho. Tenho quase certeza que...
Agora Tobias não tem dúvidas. A voz soa mais forte, embora ainda abafada. E vem claramente da cama. Parecem gritos, alguém pedindo por socorro.
Tem mais alguém aí debaixo das cobertas?
O quê? O que está querendo insinuar? É claro que não!
Tobias repara no grande volume sob a coberta. Parece que a franzina velhinha que conheceu engordou um bocado, ou então...
Num rápido impulso, puxa a coberta, sem que a Dona Maria possa impedir. Com a cama desnudada, revela-se a verdade. Realmente não há mais ninguém ali.
Só o corpo da velhinha agora é totalmente visível. Uma camisola recobre o avantajado corpo da enferma. Sua enorme barriga parece o de uma grávida prestes a dar a luz. Inclusive alguma coisa parece estar se movendo lá dentro, em fortes contrações, como se fosse o feto lutando pelo direito de nascer. Além de enorme, peluda. Peluda como o rosto. Apoiando os óculos, estende-se um longo focinho, uma grande boca ilustrada por caninos imponentes e firmes que despontam em um sorriso amarelo. Braços e pernas peludos desembocam em patas de unhas afiadas. Orelhas grandes, pontudas e... também peludas.
Está vendo? Só tem eu aqui, sua amiga, Maria.
Tobias examina assombrado aquela figura por um momento, mas as palavras não tardam a reaparecer em seus lábios:
Um lobo! Um maldito lobo! E ainda quer me fazer de idiota?
O grande machado passa da cintura pra mão. Tobias o ergue vigorosamente no ar.
To-tobias... pra que esse machado tão grande?
É pra te fatiar melhor, safado.
A afiadíssima arma desce como um relâmpago, rasgando no ar uma parábola de aço e morte. Mas se detém a um milímetro do crânio do lobo. De olhos arregalados frente ao frio metal que chegou a tocar seus pêlos, o lobo sussurrava baixinho, sem conseguir conter sua incredulidade:
Putaquepariuputaquepariuputaquepariuputaquepariuputaquepariuputaquepariu.
Tobias resolve não matar o lobo... ainda. Imagina que ele deve ter engolido a velha, não pode despedaçá-lo. Apenas dá uma pancada na cabeça do animal com o lado de sua arma para nocauteá-lo.
Olha a carcaça com seus experientes olhos de caçador.
Hmmm... acho que posso vender essa pele por um bom preço.
Toca o corpo para sentir a textura quando algo novamente se debate dentro da grande barriga.
Já vou libertá-la, D. Maria.
Com a tesoura de costura da velha, corta o abdômen da criatura, rasgando banha, tripas e órgaos. Para seu espanto, de lá sai uma jovem garota, um tanto assustada, vestida com um chapeuzinho de veludo vermelho.
Eu estava com tanto medo. Era tão escuro e apertado lá dentro.
Quem é você?
Me chamam de Chapeuzinho Vermelho, mas meu verdadeiro nome é Creonícia. O lobo comeu minha avó, se disfarçou dela e me enganou.
Por um instante Tobias se detém e observa a garota atentamente, por inteiro. Os cabelos loiros entrançados, a saia curta, os lábios vermelhos como o sangue e a pele alva como a neve.
O... o que você está olhando?
Tem uma tripa pendurada na sua orelha.
Oh!
Mais um gemido, é Dona Maria que também sai do estômago do canídeo. Ainda viva, mas mal podendo respirar. Tobias a acolhe. Os olhos da velhinha brilham de alívio e alegria.
Como estou contente em vê-lo, Tobias, ainda bem que ouviu os nossos gritos.
Pois é, D. Maria, parece que cheguei bem na hora.
E como! Vejo que depois de tanto tempo conheceu minha neta, a Chapeuzinho.
Sua neta? Então ela é filha da...
Isso mesmo. Ela nasceu alguns meses depois que você partiu. – súbito, a velha olha os arredores – Mas, espere... onde está o Cícero?
Quem?
Cícero, o porquinho.
Hã? Não tem mais ninguém aqui.
D. Maria corre até o corpo do lobo e olha em seu interior – Antes de vir até aqui, o lobo me contou que havia devorado o Cícero também. Mas ele não está aqui. Onde foi parar?
Vovó... – balbucia Chapeuzinho meio sem jeito – depois de ter me comido, tenho a impressão que o lobo foi até o banheiro.
Oh, não! – vovó corre até o banheiro, seguido por chapéu e Tobias.
Vai direto a privada e para seu horror lá está um chapéu e uma flauta boiando nas densas águas sanitárias.
É o chapéu dele. – diz entre soluços – e a flauta da qual ele nunca se separava. Oh, que coisa horrível! O que vou dizer ao Heitor e ao Prático?
Depois, recobrados do trágico evento, os três estão sentados à mesa comendo bolo e vinho. Vovó não consegue evitar um leve arroto e afirma: ah, agora sim estou bem melhor. Chapeuzinho conta o que aconteceu:
Minha mãe pediu pra eu trazer o bolo e o vinho pra vovó, que está um pouco doente, e me pediu pra seguir sempre pela Estrada Reluzente, mas eu decidi pegar um atalho pela Floresta da Destruição, então eu...
Tá bom, querida, tudo bem – corta a vovó – o importante é que você aprendeu a lição, né?
Sim, nunca mais sairei da estrada e penetrarei na floresta, quando isto for proibido por minha mãe. Sempre obedecerei ela.
E os demais adultos. Pois nós adultos sempre temos razão, somos inteligentes, controlados e sensatos. Não é, Tobias?
Certamente que sim.
Esse aqui também aprontou das suas quando era moleque. Lembro muito bem, pois eu troquei suas fraldas várias vezes. Lembro de quando ele se engraçou com sua fada madrinha e...
D. Maria, pegue mais um pedaço de bolo. – interrompe Tobias rispidamente – Você precisa se alimentar bem.
Sim, sim, mas me diga, Tobias, o que o faz voltar?
Tenho négocios a tratar por estas bandas. Vinha passando e aproveitei pra visitá-la. A propósito, você ainda guarda aquele rifle cano duplo que pertenceu ao seu finado marido?
Sim, mas você sempre preferiu o machado.
É que tenho caçado umas presas bem grandes e perigosas ultimamente e o rifle facilitaria muito.
Ele está junto das antiguidades da família, venha que lhe mostro.
Nesse instante lampeja uma idéia na mente de Chapeuzinho:
Vovó, posso brincar de encher a barriga do lobo com pedras?
Claro, meu anjo, mas se ele acordar nos chame.
Oba!
Enquanto a menina sai correndo feliz para buscar pedras no jardim, D. Maria guia Tobias até uma pequena sala ao lado de seu quarto, a sala de armas. Lá estão dispostos diversos artefatos, muitos já considerados antiguidades, de indescritível valor. Duas armas se destacam e brilham mais que as outras, um ornamentado escudo e uma portentosa espada.
Como você pode ver eu também ainda guardo o Escudo Encantado da Virtude e a poderosa Espada Cantante da Verdade, que pertenceram ao meu antepassado Cicerônio, o Uno. Você pode levá-los de quiser.
Não, obrigado, levarei apenas o rifle mesmo.
Vovó suspira ao rever aquelas armas históricas:
Cicerônio, o Uno, morreu vítima do Grande Dragão Cinza, o Dragão do Ácido.
Ele cuspiu ácido nele?
Não, ele peidou. Imagine o que pode provocar o peido de um dragão de trinta toneladas que cospe ácido. Infelizmente nada, nem a Fada Azul pôde salvá-lo. O coitado foi completamente desintegrado com este ataque inesperado.
Os dois trocam mais algumas memórias até que Chapeuzinho chama da sala. Quando lá chegam, encontram a menina orgulhosa apontando seu trabalho:
Vejam, não ficou bonito? Ele está acordando.
Desajeitadamente, o lobo tenta se levantar. Sua barriga deformada por inúmeras pedras foi meticulosamente costurada por Chapéu. Ele apalpa desesperado seu grotesco abdômen enquanto procura se manter de pé. Tobias, vovó e Chapéu divertem-se frente àquela cena cômica. O lobo sente uma dor horrível, cospe sangue aos borbotões. Arrisca dar um passo, mas não suporta o peso das pedras, perde o equilíbrio e cai de cara no chão. Todos riem, altas gargalhadas. O lobo se põe de quatro, numa patética tentativa de se reerguer. Olha para seus algozes desesperadamente, pediria clemência se não tivesse quebrado a mandíbula na queda. Tenta encontrar piedade nos olhos de Chapeuzinho mas só vê um olhar de escárnio e um sinistro regozijo.
Ele deve estar tendo inúmeras hemorragias internas. – gargalha Tobias - Vamos deixá-lo sangrar até morrer. Seguirei meu caminho...
Mas o lobo cambaleia desajeitadamente, tentando caminhar com tamanho peso, acaba tropeçando e cai violentamente, explodindo a cabeça na quina do grande relógio cuco que marcava exatamente cinco e quinze da tarde. Vovó, Tobias e Chapéu também explodem... em gargalhadas.
Bom, é isso – recompõe-se Tobias - É melhor você descansar agora, D. Maria. Chapeuzinho, me ajude a liberar a sala. Enquanto retiro a pele do lobo, você limpa o sangue e os pedaços de cérebro espalhados pelo chão.
Tudo bem.
Depois do serviço, vovó pra Chapéu:
Já está ficando tarde, querida. É melhor você voltar pra casa.
Eu levo ela até lá – intercede Tobias – estes bosques estão muito perigosos hoje em dia. E aproveito pra rever a mãe dela.
E assim eles partem.
Seguem pela estrada sinuosa. A luz do sol ilumina o caminho radiante que serpenteia pelos trechos de vegetação mais densa da floresta. A trilha forma um leque luminoso entre as folhagens. As coloridas flores que enfeitam o solo dançam em harmonia com a brisa. Cores diversas se juntam ao azul do céu, denunciando um grande arco-íris que começa a se formar. É realmente um belo dia, exclama Tobias.
Por toda parte, via-se bandeiras, bandeirolas e estandartes do reino plantadas pela estrada. É muito vaidoso, o Príncipe. Chapeuzinho cantava e colhia amoras enquanto caminhavam. Várias borboletas cruzavam o caminho dos viajantes. Havia coelhos na grama e corujas nos tocos das árvores. Chapeuzinho se encantava com as lindas e perfumadas flores da floresta e as borboletas amarelas. Hipnotizada pelo vôo delas, passou a seguí-las, embrenhando-se na mata. Tobias não a repreendeu, apenas a acompanhou atentamente. Ela parou em uma clareira, sentou-se em um tronco para recolher flores. Quando colhia uma, parecia-lhe que a outra mais adiante era ainda mais bonita. Os últimos raios de sol do poente dançavam por entre as árvores. Chapeuzinho sorria embevecida com toda aquela beleza. Como se em resposta ao seu sorriso, coelhinhos, esquilos, rouxinóis, corças, corujas e uma porção de outros bichinhos foram chegando perto dela. Alguns pularam em seu colo ou aconchegaram-se em seus braços. Uma onda de alegria inundou o pequeno bosque, pois os passarinhos resolveram cantar as mais lindas melodias de seu repertório para Chapeuzinho. E Chapeuzinho também cantou para eles, retribuindo o carinho recebido.
Tobias a observava maravilhado, ela dançava e rolava pela relva com os animaizinhos, a saia curta se estreitava ainda mais, deixando transparecer coxas firmes e grossas. Embora não seja mais que uma menina, já tinha um corpo bem definido. Seios já despontando, nádegas já bem voluptuosas. Aquela visão fazia o coração de Tobias bater descompassado. Definitivamente não podia recriminar o lobo por querer devorá-la.
Tobias se aproxima, imponente e com uma expressão séria e sólida. Os animaizinhos recuam, temerosos. Sentada sobre a grama, Chapeuzinho fita seu olhar penetrante, parece haver um brilho estranho nos olhos daquele homem, uma chama que tenta envolvê-la. Tobias segura seu delicado pulso com firmeza e sopra em seu ouvido:
Posso dançar com vocês? – e sorri meio abobalhado. Chapeuzinho sorri. Os esquilos sorriem. Até as árvores parecem esboçar um sorriso. Todos se dão mãos e patas e num círculo dançam alegremente a cirandinha. Há muito Tobias não relaxava e se divertia assim. Tudo ali era riso e música. Aquela primavera parecia eterna.
Logo a lua enorme e brilhante se mostrou inteira, completa, sem pudor. E os viajantes decidem continuar sua jornada. Seguem pela florida estrada até um singelo vilarejo. Chapéu os guia até uma casa embaixo de três grandes figueiras, próximo das nogueiras. Toda cercada por um belo jardim muito bem cuidado. Corações entalhados enfeitam as portas e janelas.
É aqui que eu moro – Chapeuzinho saltita para dentro e é recebida por um grande gato negro - Este é o meu gato, José. Ei, José, sentiu minha falta?
Uma voz parte dos fundos – Creo? É você?
Mamãe, temos visita, é um velho conhecido seu.
A mãe aparece e olha incrédula para o recém-chegado.
Tobias.
Como vai, Joaquina?
Loira, os longos cabelos lisos presos, a pele branca, bochechas rosadas como as de Creonícia, usa um vestido longo sobre seu corpo esguio. Ela continua como Tobias guardou na memória, ativando muitas recordações.
Pensei que nunca mais o veria.
Sim, mas eu voltei.
O que andou fazendo por todo esse tempo?
O de sempre, caçando.
Mãe, já vou dormir, estou cansada.
Como é que se diz, Creo?
Boa noite, Tobias.
Tobias a observa até desaparecer no corredor que leva ao quarto.
Quanto a você, tem uma bela novidade.
Sim. É uma boa garota, embora um tanto rebelde e malcriada. Mas tirando os dois abortos que fez o ano passado, até que não vem me dando muito trabalho.
E quem é o pai dela?
Quem sabe? Ela foi gerada naquele histórico dia, a quatorze anos atrás.
Você quer dizer... na Grande Suruba?
Vejo que você se lembra. A propósito, reparou que ela tem os seus olhos?
Ei, não vem não. Tem outros mil caras além de mim que podem ser o pai. Fora o orangotango, a raposa, o Patinho Feio, o Gato de Botas, o Pequeno Polegar, os Três Irmãos Ursos, o Peter Pan, o Soldadinho de Chumbo, o Barba Azul, o Grão-Duque do Rei, o Feliz, o Atchim, o Zangado, o Dengoso, o Soneca, o duende, o Bongo, o Príncipe Sapo, o Peixinho Filomeno, o...
Não se preocupe. Nem quero saber quem é, todo esse tempo eu a criei sozinha e vivemos muito bem assim. Mas o que o traz de volta depois de tanto tempo?
Tenho negócios a tratar na região.
Sempre misterioso, hein? Bom, se quiser pode dormir aqui esta noite.
Não, eu tenho que ir... mas dá tempo de uma rapidinha.
Acho que não. A não ser que você tenha aprendido a transar.
Puxa, era tão ruim assim?
Ruim? Está brincando? Tive de implorar ao Feiticeiro para reconstruir meu clitóris depois da última vez. E além do mais, homens não me interessam mais.
Então pretende continuar solteira?
E quem disse que estou solteira? Estou amando. Lembra-se da Tamância?
Tamância... não é uma das meia-irmãs da Cinderela?
Essa mesma.
Quer dizer então que você e ela... puxa, mas ela não estava exilada?
Sim, mas voltou ao reino em segredo. Se o Príncipe descobrir irá mandar decapitá-la, só podemos nos ver escondidas.
Também... depois do que ela fez com a coitada da Cinderela.
Coitada o escambau! Cinderela era uma vadia pilantra oportunista! Teve o que merecia!
Bom, já que você não vai dar pra mim, vou seguir meu caminho.
Está bem. Sorte.
Despedem-se. Tobias continua pelo radiante caminho iluminado pelo luar. Bandeiras, bandeirolas e estandartes espalhados por toda parte. Logo mais, adentra a floresta por uma estreita trilha e caminha silenciosamente até um pequeno bosque. Logo à frente, uma cabana. Parece abandonada. Tobias saca o rifle e se agacha entre os arbustos, permanecendo oculto para quem chega pela trilha principal e pronto para atirar, a mira apontada para a entrada da cabana.
Por longos minutos, continua parado ali, encoberto pelo manto negro da noite.
Um chacal começa a uivar.
O céu já estava bem escuro mas havia uma estrela brilhando. Era a Estrela do Fim da Tarde. Dela imanava uma luz estranha, muito brilhante, que parecia se expandir na direção de Tobias. É como se uma ponte luminosa estivesse sendo construída entre o céu e a terra. Um clarão flutuava sobre ela, chegando cada vez mais perto. Ao se aproximar de Tobias, aquele ponto foi tomando forma. Materializou-se uma minúscula criatura, com asas que ricocheteavam rápido demais para se acompanhar, e olhos saltados e penetrantes. Era um sabiá, que parou no ar bem ao lado de Tobias.
Eu sei o que você pretende, Tobias.
Se não é o Sabiá-Guru, o animal mais sábio de toda a Terra Encantada, a consciência de todos os seres vivos. O que quer aqui?
Você tem noção do que pretende fazer? Isso é errado, Tobias. Você não pode...
Ah, antes que eu me esqueça, parabéns.
...?
Pelo seu sucesso. Soube que já vendeu mais de um milhão de exemplares dos seus livros de auto-ajuda.
Não mude de assunto, Tobias, o que eu quero é lhe alertar sobre a gravidade do que está pensando em faz...
Ora, seu pequeno hipócrita. Não venha com seu moralismo barato pra cima de mim não. Vive dando lições, mas não me engana. Eu sei que foi você quem delatou Rapunzel. Ela era inocente, e você sabe disso.
Não sei do que está falando.
E até hoje não encontraram nem uma barra de ouro que ela supostamente roubou. Será que todo aquele tesouro foi literalmente pelos ares?
O que está querendo insinuar?
Curiosamente, após esses acontecimentos, seu filho se mudou para uma bela mansão à beira mar na Terra do Nunca...
Miserável! Está querendo me acusar? Por acaso tem alguma prova? Minha vida sempre foi marcada pela mais absoluta integridade. Pergunte a qualquer um. Eu...
O que você faz é manipular os tolos para seu próprio benefício, mas nem todos caem nas suas trapaças. Agora suma daqui antes que eu perca a paciência e rache você bem no meio.
O Sabiá-Guru se afasta - Você é mesmo um caso perdido, Tobias. Espero que esteja preparado para as consequências do seu ato. – Assim como chegou, ele desaparece em um clarão.
Tobias retorna para sua posição. Arma em riste. Mira firme. Em prontidão, aguarda.
A noite avança lentamente, agora em total silêncio.
Logo ele chegará com sua amante. Ele acha que ninguém sabe dos seus romances escondidos neste bosque, mas os chacais são mais fofoqueiros do que imagina. Sempre traz suas amantes para esta cabana. Branca de Neve, Bela Adormecida, Cachinhos de Ouro, Mamãe Cabra, Alice, e até a Bruxa Má já passaram por aqui, entre tantas outras. Sempre uma diferente. Mas a desta noite será a última. Por que desta vez Tobias está aqui.
Um leve som de galhos se partindo quebra o silêncio local. Tobias pode ouvir passos sobre a relva. Está chegando o momento. Segura forte o rifle. Chega de caçar veados e lobos pela floresta. Hoje a presa será maior, como testemunharão as lindas flores. Nesta noite, chegará ao fim a ditadura do Príncipe Encantado. E terá início a história de Tobias, o Caçador.

2 comentários:

Wagner T disse...

Gostei. huahuahua. Valeu, Ivan.

Al Mellos disse...

Os contos como "Chapéuzinho Vermelho" e "João e Maria" foram criados na época medieval, afim de assustar as crianças, fazendo com que não pensassem em entrar nas florestas.
Nesse período, acreditava-se que os maus espíritos habitavam as florestas. Só beberrões e bandidos frequentavam esses lugares.